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| | Passagem interessante de Nietzsche | |
| | Autor | Mensagem |
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Heisenberg
| Assunto: Passagem interessante de Nietzsche Qua Dez 17, 2008 11:56 pm | |
| Pra mim não é eterno retorno, não é o super-homem, nem a vontade de potência. A parte mais interessante da obra de Nietzsche é quando o mesmo trata das questões referentes ao problema da consciência e lingüagem. Pelo menos é a parte que me parece mais intrigante. Segue um trecho de A Gaia Ciência:
O problema da consciência (ou mais exatamente da consciência em si) só nos apresenta o momento em que começamos a compreender por onde é que lhe podemos escapar; e é nesse princípio que nos colocam hoje a fisiologia e a zoologia (foram-lhe, no entanto, dois séculos para eliminar a suspeita reputação que lhe precedia desde Leibeniz). Podemos, com efeito, pensar, sentir, querer, lembrarmo-nos; poderemos igualmente agir em todas as acepções do termo, sem ter consciência de tudo isso. A vida inteira poderá passar sem se olhar neste espelho da consciência: e é ainda isso que ela faz para nós, efetivamente na maior parte da sua atividade, mesmo a mais alta, pensamento, sentimento, vontade, que, por mais vexante que a coisa possa parecer a um filósofo de anteontem, decorre sem reflexo, sem reflexão. Para que serve a existência se é supérflua para o essencial da existência? Se se quiser dar atenção à minha resposta e as suposições talvez um pouco remotas que me sugere a questão, direi que a força e a acuidade da consciência me parecem estar sempre em razão direta com a capacidade do homem (ou do animal) em se exprimir, e essa capacidade em proporção da necessidade de se comunicar. Não quero dizer com isso que o próprio indivíduo que melhor sabe exprimir a sua necessidades e fazê-las compreender aos outros seja o que, mais imperiosamente, esteja reduzido a contar com o socorro de outrem. O fenômeno passar-se-ia a raças inteiras. Em seqüências de gerações. Eis como: quanto a falta, quanto a necessidade obrigaram durante muito tempo os homens a compreender-se mutuamente, rápida e finamente, criou-se um excedente desta arte de desta força, uma espécie de tesouro que o tempo empilhou e que espera um herdeiro que desperdice: o artista é esse herdeiro; assim o orador, o pregador ou o escritor todos os homens que aparecem ao fim de uma longa série, tarde aparecidos, num sentido nobre, e que, por natureza, são dissipadores. Se essa observação é justa, encontro-me no direito de supor que a consciência só se desenvolveu sob a pressão da necessidade de comunicar, que a princípio só era necessário e útil nas relações de homem (nomeadamente no tocante ao comando) e que só se desenvolveu na medida desta utilidade. A consciência é apenas uma rede de comunicação entre homens ; foi nesta única qualidade que se viu forçada a desenvolver-se: o homem que vivia solitário, como animal de presa, poderia ter passado sem ela.. Se as nossas ações, pensamentos, sentimentos e movimentos chegam – pelo menos em parte – à superfície da nossa consciência, é o resultado de uma terrível necessidade que durante muito tempo dominou o homem, o mais ameaçado dos animais: tinha necessidade de socorro e de proteção, tinha necessidade de seu semelhante, era obrigado a saber dizer essa necessidade , a saber tornar-se inteligível; e para tudo isso era necessário, em primeiro lugar, que tivesse uma consciência, que soubesse ele próprio o que lhe faltava, que soubesse o que sentia, que soubesse o que pensava. Porque como toda criatura viva, o homem, repito, pensa constantemente, mas ignora-o; o pensamento que se torna consciente representa apenas a parte mais ínfima , digamos a mais superficial, a pior, de tudo aquilo que se pensa; porque só existe pensamento que se exprime em palavras, quer dizer, em sinais de trocas, o que revela a própria origem da consciência. Em resumo, o desenvolvimento da lingüagem e o desenvolvimento da consciência (não da razão, mas somente da razão que se torna consciente de si própria), estes dois desenvolvimentos caminham a par. Acrescentemos que a lingua nã é a única a servir de ponte de homem para homem, que existem também o olhar, a pressão, o gesto; tomamos das impressões dos nossos próprios sentidos uma consciência um tanto mais nítida, adquirimos um poder de as fixar e de as exteriorizar tanto maior quanto mais forte se fazia a necessidade de as comunicar aos outros por intermédio dos sinais. O inventor dos sinais é ao mesmo tempo um homem que não cessa de se tornar cada vez mais consciente dele próprio, foi somente como animal social que o homem aprendeu a tornar-se consciente de si; assim o faz, e cada vez mais. Penso, como se vê que a consciência não pertence essencialmente a existência individual do homem , mas, pelo contrário, à parte da sua natureza que é comum à totalidade do rebanho; que não foi, por conseqüência, subtilmente desenvolvida senão na medida da sua utilidade para a comunidade, o rebanho; e que a despeito da melhor vontade que podemos pôr em nos conhecermos, em perceber o que há de mais individual, nenhuns de nós jamais poderá tomar consciência senão do seu lado não individual e médio; que o nosso próprio pensamento se encontra sem cessar de algum modo melhorado pelo caráter da consciência – pelo gênio da espécie que comanda no seu seio – e retraduzida na língüa imposta pela perspectiva do rebanho. Todos os nossos atos são bem, no fundo, supremamente pessoais, únicos, individuais, incomparáveis, certamente; mas desde que a consciência os traduz na sua língüa, deixam de parecer assim... Eis o verdadeiro fenomenalismo, eis o verdadeiro perspectivismo, ei-lo total como eu o compreendo: a natureza da consciência animal faz com que o mundo de que nós podemos tornar consciente não passe de mundo de superfícies e de signos, um mundo generalizado, ciente se torna por isso mesmo superficial, reduzido, relativamente estúpido, torna-se uma coisa geral, um signo, um número do rebanho e que qualquer tomada de consciência provoca uma deccisiva corrupção do seu objeto, uma grande falsificação, uma superficialização, uma generalização. No fim de contas, o aumento de conscência é um perigo, e quem vive no meio dos europeus conscientes sabe mesmo que se trata de uma doença. Não é como se advinha, a oposição sujeito-objeto que me preocupa neste instante: abandono essa distinção aos teóricos do conhecimento que continuam ainda presos nas malhas da gramática (esta metafísica do povo). É ainda menos, e com mais forte razão, a oposição da coisa em si e da aparência: porque estamos longe de nos conhecer o suficiente para poder fazer sequer essa simples distinção. Falta-nos, com efeito, um órgão para conhecer, para discernir a verdade: nós sabemos (acreditamos, imaginamo-nos) até ao ponto em que pode ser útil ao rebanho humano, à espécie. Mesmo a própria utilidade de que se fala esse propósito não passa, em final de contas, de uma crença, de um produto da nossa imaginação, e talvez da mais fatal estupidez, a que nos há-de, certamente, fazer perecer um dia. | |
| | | Kamikaze Admin
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 1:29 am | |
| Curiosa essa concepção de 'consciência' como fenômeno coletivo, e não individual... Procurarei ler mais a propósito, fiquei intrigado. | |
| | | W.AR
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 9:05 am | |
| Quem tb pesquisava isso era o Jung e o Lula | |
| | | Kamikaze Admin
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 9:19 am | |
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| | | Kollaps
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 12:27 pm | |
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| | | W.AR
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 12:52 pm | |
| lula e alkmin | |
| | | Heisenberg
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 4:19 pm | |
| Não entendi pq do Lula... | |
| | | Kamikaze Admin
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 4:23 pm | |
| Acrescentemos que a lingua nã é a única a servir de ponte de homem para homem, que existem também o olhar, a pressão, o gesto; tomamos das impressões dos nossos próprios sentidos uma consciência um tanto mais nítida, adquirimos um poder de as fixar e de as exteriorizar tanto maior quanto mais forte se fazia a necessidade de as comunicar aos outros por intermédio dos sinais.
Isto ele deriva de Spinoza, vale dizer, a reflexão sobre o ‘corpo’ e o ‘inconsciente’ como fontes de conhecimento. Trata-se, com efeito, da primeira vez em que um filosófo discorre a propósito do universo de possibilidades de um conhecimento oriundo de fontes não-racionais, a partir da constatação de que o âmbito da cognição não se esgota na atividade racional da consciência, abrangendo, portanto, zonas difusas das quais não podemos ter uma apreensão clara e distintas mas que, de uma maneira ou de outra, indubitavelmente geram certo tipo de ‘conhecimento’.
Ulteriormente Freud exploraria, de forma mais sistemática e científica, a mesma perspectiva. Há, aliás, um expressivo nexo conceitual entre Spinoza - Schopenhauer - Nietzsche - Freud, que não por acaso é o quarteto que determina os horizontes da filosofia francesa contemporânea (Deleuze, Foucault, etc.) | |
| | | W.AR
| | | | Lionel Richie
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 4:45 pm | |
| - Kamikaze escreveu:
- Há, aliás, um expressivo nexo conceitual entre Spinoza - Schopenhauer - Nietzsche - Freud, que não por acaso é o quarteto que determina os horizontes da filosofia francesa contemporânea (Deleuze, Foucault, etc.)
Bah, coitado do quarteto. Colocar o Foucault na conta do Schops é sacanagem, bro. | |
| | | Kamikaze Admin
| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche Qui Dez 18, 2008 4:48 pm | |
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| Assunto: Re: Passagem interessante de Nietzsche | |
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| | | | Passagem interessante de Nietzsche | |
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