Faust -
The Faust Tapes (1973 - Alemanha)
Faixas:
01) Exercise 1 (0:52)
02) Exercise 2 (0:21)
03) Flashback Caruso (4:01)
(
aka Silver Machine / Flashback Caruso)
04) Exercise 3 (1:48)
05) J'ai Mal Aux Dents (7:14)
(
aka Party 2, Schempal Buddah)
06) Untitled 1 (1:03)
07) Untitled 2 (1:42)
08) Dr Schwitters #1 (0:25)
09) Exercise 4 (1:11)
10) Untitled 3 (1:18)
11) Untitled 4 (0:50)
12) Dr Schwitters #2 (0:49)
13) Untitled 5 (1:03)
14) Untitled 6 (0:47)
15) Untitled 7 (1:33)
16) Untitled 8 (2:18)
17) Untitled 9 (0:34)
18) Untitled 10 (0:51)
19) Untitled 11 (1:15)
20) Untitled 12 (2:28)
21) Untitled 13 (0:20)
22) Untitled 14 (1:13)
23) Untitled 15 (0:59)
24) Stretch Out Time (1:35)
(
aka Do So, Stretch Out)
25) Der Baum (3:49)
26) Chère Chambre (3:07)
(
aka Viel Obst, Viel Obst)
Músicos:
Arnulf Meifert / bateria, voz
Werner Dermeier / bateria, voz
Hans-Joachim Irmler / órgão elétrico, voz
Gunter Wusthoff / sintetizadores, saxofone, voz
Rudolf Sosna / guitarra elétrica, teclados, vocais
Jean-Herve Peron / baixo elétrico, vocais
Já declarei amiúde minha predileção especialíssima pelo Faust, mas creio que ainda não detalhei a razão principal de meu sempre crescente fascínio pela banda. Pois bem: tal encantamento se deve sobretudo ao facto de que a lendária formação germânica logra conjurar, sempre com naturalidade e fluência, o mais perfeito equilíbrio dinâmico entre RUÍDO e POESIA, CAOS e LIRISMO, TERROR e HUMOR. Assim sendo, temos, por exemplo, em
Miss Fortune (que encerra o
Clear Album), ao fim e ao cabo de violenta tempestade sonora de microfonias elétricas, cânticos sinistros e pirações eletrônicas, um lírico recitativo a duas vozes em compasso de trovar medieval, rematado de forma evocativamente enigmática pelos belíssimos versos "
...and at the end realize that/ nobody knows/ if it really happened" (rutilante metalingüagem a colocar em questão a própria existência do que acabamos de vivenciar...) ;
So Far, emanação mais freneticamente
acid rock da banda, culmina com
...In the Spirit, número a um só tempo cômico e poético, em ritmo de
cabaret/
music hall lisérgico;
Faust Tapes, por seu turno, apoteose da desorientação fragmentária
kraut, apresenta peças como
Der Baum, cíclica paisagem de tambores esparsos, cordas minimalistas e vozes em superposição entoando, em mesmerizante hipnose, uma apologia a um só tempo plácida, irônica e inquietante à tranqüilidade doméstica.
Há que salientar que um disco tão brilhante e emocionante quanto
Faust Tapes realmente desafia minha capacidade de análise: não sei bem o que dizer sobre ele, e temo perpetrar um aluvião de asneiras em quaisquer tentâmenes que venha a levar a cabo; não obstante, consoante estabeleci antes, o álbum em tela é sem dúvida o ápice da banda em termos de desconstrução metalingüística não somente do
rock’n’roll, mas do próprio parâmetro de linearidade inerente à música ocidental. Assim sendo, não importa para nossos admiráveis terroristas sônicos estabelecer um fluxo discursivo contínuo e coerente, mas sim conjurar caóticas miríades de micronarrativas musicais transfigurando vozes abissais, desvario eletrônico, ruídos ambientais, pastiches variados e anarquia infrene, para então fundi-las, subvertê-las, desintegrá-las e reconstituí-las numa espécie de nebulosa em permanente metamorfose.
Isto posto, alguns bons anos de atenta e apaixonada audição das epifanias faustianas me levaram a compreender melhor aquele que talvez seja o grande 'segredo' desses teutônicos geniais, mormente do álbum em tela: a beleza extraterrestre que emana de suas passagens melódicas. Se antes me fascinavam sobretudo os momentos de dadaísmo sônico dos arcanos
kraut, isto é, o terrorismo fragmentário das colagens
noise e das justaposições imprevisíveis, hoje constato quão importante é para o efeito global da banda o contraponto onírico de seus momentos mais serenos, justamente pelo facto de que o
ethos alienígena que caracteriza o Faust neles se processa de uma forma sutil e envolvente. Tomemos em consideração, por exemplo, a faixa
Flashback Caruso, uma sedutora balada de modulações
psych folk gradativamente pervertida por
drones agônicos de moog, num magistral efeito de estranhamento progressivo; ou então a maravilhosa
Chére Chambre um surreal monólogo em
stream of conciousness de Jean Hervé Peron, embalado por bucólicas tramas de violões, onde a críptica, alucinatória ambiência do poema em prosa colide / irmana-se com o caráter meditativo e plácido da música que o acompanha.