Less is More - O F.O.R.O.
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.
Less is More - O F.O.R.O.

Um fórum em defesa da Tirania, do Ódio, da Destruição, do Horror Sagrado e do Rock'n'Roll (não necessariamente nessa ordem...)
 
InícioInício  Últimas imagensÚltimas imagens  RegistarRegistar  Entrar  

 

 SMETRAK!

Ir para baixo 
3 participantes
AutorMensagem
Kamikaze
Admin
Kamikaze



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeQui Nov 20, 2008 6:47 pm

(Em referência / louvor ao esplêndido necrológio do mestre urdido por Livio Tragtenberg, e que está disponível em Artigos Musicais (1990), compilação de textos deste excelente saxofonista e compositor experimental)

SMETRAK! 1204468437_f

"O fim da fala ainda não é o início do silêncio."

"(...) E vivemos numa época tão problemática e apocalíptica. É preciso uma orientação. Salve-se quem souber, porque poder, ninguém poderá mais."

_____

Bem, o que falar a propósito do suíço (radicado no Brasil desde 1937) Anton Walter Smetak (1913-1984), esse assombroso compositor, multiinstrumentista, alquimista sonoro e xamã psicossônico? Tão somente este ano dediquei maior atenção a seu legado, e foi uma verdadeira REVELAÇÃO.

Há semanas, pois, venho cavilando um tópico em homenagem a esse gênio, e não conseguia redigir uma linha sequer... se calhar em virtude da constatação de que a música de Smetak não se presta à comunicação verbal ou, melhor dizendo, à expressão de significados através d'um ordenamento lógico-demonstrativa. À maneira do poeta russo Velimir Khlebnikov, que criou uma linguagem 'transmental' para expressar os infindos universos do inconsciente cósmico, a obra de Smetak se propaga através d'uma galáxia semântica suprarracional, onde o rigor das definições precisas e paradigmas conceituais não logra dar conta da multiplicidade de perspectivas envolvidas na formulação / execução da mesma. Se há, pois, uma música que poderia  ser classificada como 'ritualística', trata-se efetivamente da música smetakiana, ao transportar o ouvinte para dimensões ignotas que o pensamento racional não pode abarcar.

Fiquem, enfim, com algumas fotos dos 'instrumentos-esculturas / plásticas sonoras' criados por Smetak; com um texto do próprio compositor; e ainda com um artigo escrito por alguém infinitamente mais capacitado do que eu para 'decodificar' o mestre suíço: Augusto de Campos.  

De resto, REMEMBÁ WALTÁÁÁ SMETAK, PORRA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!111  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1  Reza1


______


SMETRAK! Tak07

SMETRAK! Tak01

SMETRAK! Tak05

SMETRAK! Tak04

SMETRAK! Tak09


Última edição por Kamikaze em Sáb Set 01, 2018 12:51 am, editado 6 vez(es)
Ir para o topo Ir para baixo
Kamikaze
Admin
Kamikaze



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeQui Nov 20, 2008 6:51 pm

EM POTENCIAL, SEM REALIDADE PORÉM...

Walter Smetak

No primeiro período do trabalho, desconhecia o contexto de uma pesquisa exata, pois o intuito era mais de colaborar com a música contemporânea. Julguei, no meu modo de ver, primeiro que a música contemporânea devia ser feita com instrumentos não tradicionais, como composição à parte da música geralmente pretendida.

Foram construídas algumas dezenas de instrumentos, que podem ser considerados antecessores primitivos do que foram catalogados mais tarde como instrumentos tradicionais no Ocidente.

Ciente, pois, no decorrer do trabalho, de que o meu conhecimento histórico em matéria de instrumentos, era insuficiente, devido aos séculos decorridos desde a.C., percebi que a tal "pesquisa" se iniciava, já que era justamente pretensão nossa entrar na época contemporânea sem conhecer realmente o "início" das coisas no mundo dos planos vibratórios, extensivos à todos os ramos das artes. Confundia primitivismo com contemporaneidade, enganando muita gente e a mim mesmo, conseguindo pelo menos, ao destruir velhos conceitos,tornar-me amorfo.

Vale salientar que a pesquisa aqui iniciada teve por único incentivo, a iniciativa própria, sem nenhum recurso de CNPQ ou outro órgão oficial. Entendi que tinha entrado na dura fase de "recuperação do passado desconhecido" a fim de poder enfrentar a contemporaneidade, que por sua vez nada tinha a ver com o futuro. O pensamento do futuro, socialmente falando, afastou-se. A minha presença no presente era a única forma de me achar na existência. Fiquei assim sem tempo determinado, dedicando-me, de várias maneiras, às artes, seja como músico, artesão ou literato, tentando fixar o momento da minha eternidade.

Surgiram instrumentos cinéticos, instrumentos coletivos, e sobretudo um acontecimento deslumbrante: um professor ou mestre vindo de um remoto passado, e que era a Harpa Eólica. Daí por diante, ela me serviu de guia. Começou assim o processo de dissolução nos sistemas dos microvalores, conhecidos na música como microtons. Surgiu a pergunta: como resolver esses problemas, seja electronicamente, seja naturalmente. Faltavam recursos materiais como intelectuais, e não havia ninguém para se consultar. Faltava também estabilidade e salas adequadas para o bom procedimento do trabalho, sofrendo-se várias mudanças, quebras pelo transporte, roubo de peças e até inundações por esgotos quebrados. Ficou intacta apenas a oficina, a mesma tornando-se refúgio para os instrumentos quebrados. A pesquisa tornou-se uma reforma.

Aprendi que espaço significa forma, e tempo: mente sempre variável. Em paralelo a isso, o espaço contém uma energia atômica, podia ser o electron, circundada pela mente instável. Nas composições harmoniosas, NÃO ACONTECE NADA, apenas modulações harmoniosas, descrevendo uma natureza equilibrada. Nas composições dissonantes porém, chocantes, onde as dissonâncias abrem o caminho para acontecimentos sonoros, acontecem pequenas explosões no cérebro, veículo da mente humana. Pode tanto amansar como excitar. Os acontecimentos exteriores não devem influenciar, neste caso a composição tornar-se-ía um noticiário. Esse processo deve ser levado ao interior do ser humano, a fim de neutralizar os choques. Daí pode surgir uma compaixão interior.

A dualidade (divisão do + e - ) é confundida com o dualismo (discussão entre + e - ). Na dualidade existe homogenidade. A contemporaneidade parece ser um fenômeno do dualismo.

Resumindo: no homem existe uma mulher, e na mulher existe um homem. Tão separados apenas pelo sexo. O homem se exterioriza e a mulher se interioriza. Mas na verdade as duas unidades são a dualidade unificada. Esta concepção nos afastou dos acontecimentos, visando mais o pós-imediato do que o imediato. Aí entramos no próximo segundo (do futuro digamos), que se torna presente.

Houve uma conclusão muito significativa ao considerarmos a "Ronda", onde descobrimos que ritmo, melodia e harmonia dependem da velocidadedo giro, isto é: velocidade máxima produz harmonias, carrossel celeste; velocidade média: melodias ou sons lineares, e finalmente ritmos: velocidade mínima. Estas velocidades podem ser usadas alternativamente (nativamente=nascer), porque em matéria de composição ou improvisação, não há regras fixas e sim justificativas, dependendo do caso.

Chegamos a outra consideração: podiam essas pretensões alterar os sistemas sonoros e musicais? Porque constatamos que o instrumento adequado produz um certo tipo de som ou música, mas a música é feita conforme o padrão inerente ao homem. O homem sempre reproduziu o clima do sistema geográfico ambiente. Existem casos de poliglotas universais, tal como Stravinski, que pode ser acusado de ter uma consciência universal, pois vive todos os mundos. Ele é tão litúrgico como dançante. Ele é ao mesmo tempo super-antigo e super-moderno, e tem essa faculdade de reunir o passado e o futuro no eterno presente. As estações fundidas numa só estação. Satélites girando ao redor do centro universal.

A tese, ou hipótese de criar novos instrumentos, cai quase por terra: surgiu o problema da timbragem. A electrônica, com seus sons artificiais (gerados no vacuum ou além das estrelas) é uma porta. Existe porém o perigo da dualidade cair no dualismo. Temos que estar alertos para superar o automatismo da nossa proclamação do "do-ré-mi-fa-sol-la-sismo". Na antiguidade existia um poderoso significativo esotérico, que paulatinamente formou as escalas. Eram os sete planetas, dotados de suas vibrações específicas, tomando parte dos calendários Maya e egípcio.

Segue o esquema: MA = dó (marte); SO=ré (sol); ME=mi (mercúrio); SA=fa (saturno); JUI=sol (júpiter); VE=la (vênus); LU=si (lua). Ou seja: a primeira sílaba dos planetas marte, sol, mercúrio, saturno, júpiter, vênus e lua.

Esses planetas eram divididos em neutros, benéficos e maléficos, conforme a ciência da astrologia, caindo mais tarde na astronomia. Este mistério é reproduzido no dodecafonismo, ou seja, na extensão de 7 para 12 tons, que é o "do-ré-mi-fa-sol-la-sismo". Ao reconscientizar o sistema antigo, pode acontecer que o chumbo se transforme novamente em ouro filosofal.

Existe uma grande falha na língua portuguesa ao denominar os dias da semana por "feiras", com excessão de sábado e domingo pois em todas outras línguas latinas existe a relação planeta-dia. Talvez seja devido as feiras montadas nos diversos pontos da cidade, denotando assim o espírito mercantil português.

Essa época dos microtons representou a mais rica fase da pesquisa, culminando em Berlim 1982 na construção de sete monocórdios e uma oitava de microtons (49 por oitava).

Paralelamente tivemos um profundo olhar na mais moderna e atual eletrônica e ficamos com grandes dúvidas quanto à continuação do trabalho.

Sofremos três greves, várias mudanças do material, e finalmente, obtemos um acampamento para os instrumentos, na menor sala possível, a pesquisa exterior transferiu-se para o interior, passando da materialização do som para a música, palavra, plástica, o verbo, e finalmente o silêncio, fonte de toda manifestação universal.

Seguiram alguns trabalhos escritos, plásticas de barro, solidão e recolhimento.

Em soma, recomendamos este tipo de pesquisa autodidata "in loco" àqueles tateando num trabalho não subvencionado, orientados por um sentimento de aprofundamento no conhecimento, podendo assim terem um vislumbre da Sabedoria e do Amor existindo na Eternidade da Existência dos universos, cujo retrato são os instrumentos, num mundo de miniaturas das nossas artes humanizadas. MICROCOSMO. Conhecer esse único instrumento que é o HOMEM. Conscientizar a palavra música no seu sentido inverso: Ak-Is-Um, ou seja: Akasha (éter sonoro e luz), Isis = a bela luz, Um: a Unidade que abrange os três em Um. É necessário voltar do concretismo para o abstraismo do amorfo, para o caos homogêneo e indiferenciado, e de lá buscar o ainda não existente materialmente, e ter a capacidade de dissolver as descobertas imediatamente, porque atrás ainda vem muita gente. Raças nascidas do lixo atômico.

Vale notar o exemplo do genial artista Mário Cravo, no monumento (momento da consciência), onde ultrapassa o sentido de homenagem política, na quadratura do círculo erguida em 1982 na Avenida Garibaldi. Um instrumento de cimento armado contendo uma silenciosa e poderosa palavra aclamando os céus.

Após 15 anos de labor, conseguimos uma quantidade razoável de timbres novos, houve um relaxamento de maneira tão inesperada que esta experiência total dos instrumentos voltou-se para o violoncelo, quando um dia, numa improvisação, uma síntese de todas as experiências adquiridas no trabalho anterior, nasceram duas peças denominadas "Facho de Luz". Era o final do disco "Interregno" que por um descuido, não foi incluido naquele disco, ficando assim anônimo para o público.

Daí adiante, as forças criativas cessaram, surgindo apenas mais um novo problema: será que tocar significa viver com intensidade artísticamente, ou é uma falsa projeção entre o não ser das artes e a vida? Esta pergunta não me foi respondida até hoje. Senti uma força desconhecida chegar com tanta veemência, não era eu, virei público ouvindo alguém. A música era um ser bem superior a mim, entretanto tomou conta de mim integralmente, como se fosse eu mesmo. Mas ao terminar, voltei a ser um homem comum como qualquer outro, sem poder me manter neste alto nível anterior. Tive a nítida noção de que era necessário fazer aquilo, pouco importando quem servia de instrumento. Viví daí adiante como espectado, observando as emoções, vibrando as vezes, ouvindo música como se fosse minha. Soube finalmente apreciar tudo que era nobre e raro, e senti de fato um gênio dirigindo as coisas belas que acontecem no palco da vida. Embora me sentindo um miserável mortal, senti a celebração da imortalidade.

Fechei o expediente, não há mais ninguém com quem me comunicar, e por força maior, dei por terminada a pesquisa, embora houvesse ainda necessidade de certa codificação. Ví com toda clareza que nada de novo tinha sido criado, apenas redescoberto por iniciativa própria, com a única pretensão de conquistar e descobrir sozinho os novos continentes, tateando do conhecido para o desconhecido. Este caminho traz muitas felicidades, muitas angústias também, porque, como foi dito anteriormente, a realidade não corresponde ao potencial, mas o Som, também invertido em Luz, pode levar o homem a ter um vislumbre da Existência.

Recomendamos esse tipo de trabalho, incluido num currículum universitário, para ser prosseguido por outra pessoa corajosa, disposta a um supremo sacrifício.

Possívelmente a pesquisa pode encontrar-se, em pouco tempo, contemplando o "NADA". Isto é: ficar sem tempo, sem espaço e sem condições e quando soar esta hora, virá a crise total, de dentro para fora, encontrando esta vastidão de camadas culturais que o homem adquiriu durante séculos e séculos, e ele terá de se confrontar com o NADA, inerente ao TODO. Forçosamente o homem terá que voltar ao interior, e lá permanecer, lá onde reside o Nada, aquele Nada porém, que nunca nasceu e daí não pode morrer. Só assim o trabalho poderá recomeçar, destruindo as citadas camadas culturais, apodrecidas e gastas. Eis a diferença entre o criado e o Criador.

Uma crise desta envoltura, com certeza se empenhará em trazer um outro estado de consciência, um novo tipo humano, uma palavra nova e um SOM diferente. Creio que, deste momento em diante, a Pesquisa pode começar, uma vez cortados os laços com a velha cultura em estado delirante.


Salvador, 27 de julho de 1983
Ir para o topo Ir para baixo
Kamikaze
Admin
Kamikaze



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeQui Nov 20, 2008 6:51 pm

SMETAK PARA QUEM SOUBER

Augusto de Campos

Anton Walter Smetak, suiço que adotou o Brasil em 1937, fixando-se na Bahia a partir de 1957, nasceu em 1913. É um ano mais moço que Cage. Seu primeiro disco (Philips 6349-110) só veio a ser gravado em 1974. Produzido por Roberto Santana e Caetano Veloso e montado por este e por Gil, o LP recebeu um tratamento excepcional até no seu aspecto gráfico, com a bela capa dupla que teve orientação visual de Rogério Duarte. Não fora o apoio dos baianos, provavelmente Smetak seria até hoje ignorado.

Violoncelista, criador de música e de instrumentos-esculturas ("plásticas sonoras"), a partir da combinação cabaça & cordas, Smetak é também teórico, e tem expressado sua idéias cósmico-musicais em textos e entrevistas, num português aproximativo, entre poético e místico. No plano propriamente musical, caminhou, com resolução, para o microtonalismo. Ele acredita que através da "consciência dos microtons" e da superação do emocional se chegará "à clareza da percepção da diversidade sonora" e a "ampliação da tônica e sua substituição pelo Som Gerador" e a "ampliação da série de 12 para 36 sons como uma prática para se obter a conscientização dos valores". Numa entrevista a Renato de Moraes (1975), ele afirmou que procura "diferenciar claramente o fazer som, um meio de despertar novas faculdades da percepção mental, e o fazer música, apenas um acalento para velhas faculdades da consciência". Nesse sentido, "mais do que o mistério da música" interessa-lhe "o mistério do som".

Embora Smetak não se considere representante de qualquer linha de "contemporâneos e vanguardistas", é impossível deixar de situá-lo no tempo histórico. E ao fazê-lo observamos que, à parte as características personalíssimas do seu trabalho, ele se insere num quadro de preocupações artísticas e espirituais comuns a alguns outros mestres modernos que têm buscado, na pesquisa de microtom, ampliar o nosso horizonte de sensibilidade, rompendo com enraizados hábitos auditivos e aproximando a arte ocidental das práticas musicais do Oriente.

Este é o caso do tcheco Alois Haba (n. 1893), o grande arauto do microtonalismo e, também, dos compositores russos Nikolai Obuhov e Ivan Vishnicgradski. Na América, o microtonalismo teve o seu profeta no mexicano Julián Carrillo (1875-1965), que chegou a experimentar com 96 subdivisões dentro de uma oitava. Charles Ives (1874-1954), precursor de tantas linguagens novas, também não desdenhou o microtom, embora não o cultivasse sistematicamente. Compôs três peças que são executadas em dois pianos afinados com diferença de ¼ de tom (registradas no LP Odyssey 32 16 0162). E escreveu sobre o assunto um interessante trabalho, "Algumas Impressões obre Quartos de Tom". Outro americano, Harry Partch (1901-1974), devotou-se à composição microtonal e à construção de instrumentos apropriados para uma escala de 43 sons por oitava, entre os quais um harmônio ("chromelodeon") e um órgão ("ptolemy"), assim como cítaras, marimbas e guitarras microtonizadas. O catálogo Schwann consigna três LPs dedicados a essa música que podemos desesperar de ver reprensada entre nós.

Os intervalos menores que o semitom são comuns na tradição de países orientais, como a Índia, onde são denominados "srutis". No Ocidente, porém, o seu uso é praticamente desconhecido. Assim, se o microtonalismo de Haba, Obuhov e Vishniegradski encontra reforço no folclore eslávico, impregnado de Oriente, o dos desbravadores musicais deste lado do Oceano só têm apoio na nossa disponibilidade criativa. Mas quem sabe se os artistas daqui, embora formados pela cultura européia, não se sentirão mais descompromissados para a livre experimentação, por se acharem mais distantes dos centros tradicionais? É a tese de Cage. E já era a de Oswald: Antropofagia.

"Até que ponto as nossas reações emocionais, os hábitos do nosso ouvido, as nossas predileções, serão para nós uma ajuda ou um obstáculo?" - indaga Ives em seu estudo sobre os quartos de tom. Como Smetak, ele crê que quando o homem souber ouvir os microtons ele traduzirá com mais liberdade as milhares de ondas sonoras que estão ao seu redor. Isso permitirá que ele amplie a sua consciência espiritual e se aproxime mais da Natureza, como queria Thoreau, o filósofo americano invocado po Ives e por Cage, que se deliciava com os harpejos eólicos dos fios de telégrafo nas matas de Walden.

Foi essa mesma "harpa da Natureza" - a melodia contínua de um violão exposto ao vento, tal como se ouve na faixa de abertura do primeiro LP de Smetak, que o levou a explorar o mundo dos microtons. Aquele disco já nos dera muito surpresas sonoras. Entre elas as improvisações vocais de Caetano - um canto-de-ruídos guturais que não tem paralelo em nossa música (popular ou erudita). No conjunto, a gravação funcionava como um painel das propostas compositivas e das sonoridades pesquisadas por Smetak. Pelos nossos ouvidos desfilaram, pela primeira vez, alguns dentre os muitos (cerca de cem) instrumentos criados por esse anti-luthier - insóliots bricolages que vão da vassoura ao móbile. Os mais estranhos sons ecoavam pelas cabeças-cabaças de "vinas", "choris" (choro-e-riso), "sóis", "árvores" e "rondas" e percorriam as cordas dissonantes de "peixes", "aranhas" e "constelações".

Mas se no disco anterior, duas faixas, "Sarabanda" e "Preludiando com Joseba" (Joseba = Johann Sebastian Bach) retinham um elo ou um eco da tradição, neste no novo LP INTERREGNO - Walter Smetak & Conjunto de Microtone (selo FCEB/Marcus Pereira ) Smetak parece direcionar ainda mais o seu trabalho para o "mistério do som".

À atomização microtonal junta-se agora a pesquisa do "som prolongado", que requereu a participação de um órgão eletrônico. Os macro-sons puxados pelo órgão misturam-se às fibrilações sonoras dos violões microtonizados e dos múltiplos artefatos instrumentais de Smetak. E confraternizam com as quase-vozes dos "boréis" (borés com bocal) e das flautas xavantinas, estabelecendo um nexo instigante com as culturas indígenas do Xingu, mais próximas do Oriente que do Ocidente. Trata-se, em grande parte, de música improvisada, que empenha todo um grupo, no qual encontramos excelentes músicos, como Tuzé de Abreu. Uma opção cada vez mais frequente na música erudita de hoje, de Cage a Stockhausen.

O resultado é extraordinário. E comovente, se se considera o trabalho difícil e solitário de Smetak, por tantos anos. Verdadeira deslavagem cerebral.

Há músicas para todos os gostos e para todas as horas. Quem só pensa em embalar os ouvidos, que fique no som-nosso-de-cada-dia. Mas quem quiser mais sabor e mais saber, não deixe de ouvir esses extras-sons que conseguiram varar o bloqueio informativo das audições de rotina. Como já disse Smetak: "Salve-se quem souber!"


Julho de 1980
Ir para o topo Ir para baixo
Kollaps

Kollaps



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeQui Nov 20, 2008 7:00 pm

Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow Bow

Um gênio que não recebeu e ainda não recebe o devido reconhecimento pela sua obra, infelizmente.
Ir para o topo Ir para baixo
Kamikaze
Admin
Kamikaze



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeQui Nov 20, 2008 7:01 pm

Haja visto a situação absurda envolvendo o acervo dele, até hoje sem pouso certo, e ainda com estatuto jurídico indefinido. Mad
Ir para o topo Ir para baixo
berola

berola



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeDom Nov 23, 2008 11:25 pm

Ah! Quando rolou aquela exposição sobre a Tropicália no MAM, havia uma parte dedicada ao Smetak, com um filme e se não me engano alguma dessas plásticas sonoras. Vi e fiquei bastante interessado mas acabei me esquecendo de pesquisar a respeito. Quando tiver tempo irei fazê-lo. Esse cara merece todo o respeito tecnológico, um cara realmente rélpis.
Ir para o topo Ir para baixo
Kamikaze
Admin
Kamikaze



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeSeg Nov 24, 2008 11:25 pm

É um dos compositores mais insanamente ALIEN que já escutei, estranhíssimo MESMO... affraid2
Ir para o topo Ir para baixo
berola

berola



SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitimeSeg Nov 24, 2008 11:28 pm

Esperando o material acabar de baixar... Reza1
Ir para o topo Ir para baixo
Conteúdo patrocinado





SMETRAK! Empty
MensagemAssunto: Re: SMETRAK!   SMETRAK! Icon_minitime

Ir para o topo Ir para baixo
 
SMETRAK!
Ir para o topo 
Página 1 de 1

Permissões neste sub-fórumNão podes responder a tópicos
Less is More - O F.O.R.O.  :: GERÁV-
Ir para: