Há já uns trocentos zilhões de anos que estou para abrir um tópico no SC sobre este que é, sem dúvida alguma, o vinil mais insólito de minha coleção, e por alguma razão sempre acabava por esquecer de fazê-lo. Antes tarde do que nunca, contudo.
Muito bem: formado na cidade de Avignon em meados da década de 60 pelo dramaturgo Gerald Gélas, o Théâtre du Chêne Noir era inicialmente uma companhia teatral de caráter experimental, fortemente influenciada pelas teorias do célebre poeta e teatrólogo francês Antonin Artaud. Convicto de que a racionalidade ocidental havia chegado a um impasse espiritual no século XX, Artaud propõe, com seu 'théâtre de la cruauté', uma nova síntese dinâmica do homem com as energias cósmicas do Universo, predicando a necessidade de um teatro ritualístico, onde os atores atuassem como se estivessem ardendo numa fogueira de arquétipos imemorais, imbuídos de um caráter místico e religioso no sentido de recriar as experiências fulcrais do inconsciente mágico do homem, algo como um mergulho no ‘absoluto’, na dimensão da totalidade cósmica da existência, na fusão entre a experiência sensível e o ilimitado.
Inicialmente um 'drama musical' à moda das
Four Plays For Dancers de W.B.Yeats (fortemente influenciadas pelo teatro
no japonês), do teatro poético de Maeterlinck e Hoffmansthal e, claro, das teorias artaudianas,
L'Aurora, escrito, coreografado e musicado por Gélas, seria lançado em disco, sob o título de
Aurora, pelo selo experimental francês Futura (responsável também pela edição de clássicos da
avant psychedelia como La Fille Qui Mousse, Mahogany Brain, etc.)
Não é fácil definir as seis peças presentes em
Aurora... trata-se, à partida, de um dos discos mais malevolentes e obscuros que já tive a oportunidade de escutar, conjurando uma atmosfera verdadeiramente aterrorizante. Pejado de cânticos sombrios, percussões tribais, flautas ominosas e cordas espectrais, o álbum transita d'uma espécie de
dark folk extremamente opressivo e solene a
crescendi dissonantes em compasso de frenesi atonal. Merece destaque a voz imponente e imperativa de Nicole Aubiat, sobretudo em
Le Conte De La Terre Et De Ses Enfants Et La Première Apparition Des Hommes-Oiseaux, estranhíssimo recitativo emoldurado por címbalos e sopros ecoantes, e que no final explode como uma infernal 'Noite de Walpürgis' sônica. Outra faixa a ser ressaltada é
La Vieillesse Et La Mort,
sabbath transpsicodélico onde a outra vocalista do
ensemble, Bénédicte Maulet, uiva como uma
banshee ensandecida.
Não sei isto chegou a ser relançado em CD; não obstante, creio que é encontrável nos
blogs da vida, sendo um trabalho altamente recomendável para todos os fãs de música obscura e 'diabólica'.