Captain Beefheart & His Magic Band -
Trout Mask Replica (1969 - EUA)
Faixas:01) Frownland (1:39)
02) The Dust Blows Forward 'N The Dust Blows Back (1:53)
03) Dachau Blues (2:21)
04) Ella Guru (2:23)
05) Hair Pie: Bake 1 (4:57)
06) Moonlight On Vermont (3:55)
07) Pachuco Cadaver (4:37)
08) Bills Corpse (1:47)
09) Sweet Sweet Bulbs (2:17)
10) Neon Meate Dream Of A Octafish (2:25)
11) China Pig (3:56)
12) My Human Get's Me Blues (2:42)
13) Dali's Car (1:25)
14) Hair Pie: Bake 2 (2:23)
15) Pena (2:31)
16) Well (2:05)
17) When Big Joan Sets Up (5:19)
18) Fallin' Ditch (2:03)
19) Sugar 'N Spikes (2:29)
20) Ant Man Bee (3:55)
21) Orange Claw Hammer (3:35)
22) Wild Life (3:07)
23) She's Too Much For My Mirror (1:42)
24) Hobo Chang Ba (2:01)
25) The Blimp (mousetrapreplica) (2:04)
26) Steal Softly Thru Snow (2:13)
27) Old Fart At Play (1:54)
28) Veteran's Day Poppy (4:30)
Músicos: Captain Beefheart /
guitar, harmonica, bass clarinet, horn, soprano saxophone, tenor saxophone, vocals, MusetteMark Boston /
bass, guitarJohn 'Drumbo' French /
drumsJerry Handley /
bassBill Harkleroad /
guitarMascara Snake /
clarinet, bass clarinetDouglas Moon /
guitarRockette Morton /
bass, vocalsZoot Horn Rollo /
flute, guitarAntennae Jimmy Semens /
guitarNão há muito que ainda se possa dizer a propósito d'um álbum submetido a décadas de minucioso escrutínio crítico; nem tampouco algo de relevante a acrescentar sobre o legado de seu criador, o genial compositor, vocalista, multiinstrumentista e artista plástico norte-americano Don Van Vliet,
aka Captain Beefheart. Todavia, não seria justo que uma obra-prima da magnitude de
Trout Mask Replica, um dos raríssimos discos legitimamente
PROGRESSISTAS na história do
rock, ficasse sem uma resenha aqui no FORO. Isto posto, 'vamulá'.
TMR é até hoje um disco deveras impressionante, sobretudo como originalíssimo exercício de uma fusão não só meticulosamente concebida e executada, mas também milagrosamente orgânica e estruturada, dos mais díspares elementos: do
R&B ao
acid rock, do
free jazz ao
country, do
blues tradicional à música eletroacústica, tudo se faz presente no grande 'forno alquímico' de mistáh Beefheart, de uma forma a um só tempo alucinatória e coerente, pois se em cada música o ouvinte tem a insólita impressão de estar escutando simultaneamente várias peças, há um assombroso senso de unidade formal em todas as faixas do disco. Tal impressão é acentuada, vale dizer, pela circunstância de a maior parte da banda estar solando simultaneamente em várias faixas do álbum; não há, aliás, uma diferença marcante entre 'base' e 'solo' na estética proposta por Vliet, mas sim a postulação d'uma massa sonora de admirável coesão formal. Destarte, temos em
Trout Mask Replica um triunfo veramente assombroso: trata-se, pois, d'uma obra prenhe d'um esplêndido senso de liberdade e improvisação, mas onde todos os procedimentos são milimetricamente calculados e levados a efeito. Para tanto, é mister lembrar Beefheart exigiu da Magic Band um grau de dedicação e disciplina veramente jesuítico: seus integrantes passaram 8 meses confinados, ensaiando exaustivamente as composições de Beefheart, em jornadas de trabalho que não raro chegavam a 12 / 14 horas por dia.
Alicerçando esse primoroso trabalho de composição e organização do material sonoro, temos um instrumental simplesmente soberbo, com destaque para o notável senso de fluidez rítmica de John 'Drumbo' French (a meu ver o grande destaque da banda, e sem dúvida um dos bateristas mais subestimados da história do
rock); as agulhadas ácidas das guitarras elétricas da dupla Zoot Horn Rollo / Antennae Jimmy Semens; e, é claro, o verdadeiro
jazz from hell desencadeado pelo 'Capitão' e seu primo Mascara Snake. Coroando tudo, temos os inacreditáveis vocais de Vliet, com seu escalafobético arsenal de recitativos, imprecações, soluços, uivos e interjeições.
Não é tarefa das mais simples apontar os pontos culminantes numa obra de tamanha complexidade e riqueza, mas eu diria que a espinha dorsal do disco consiste d’uma memorável série de
dada blues meets schizo jazz in the land of Thomas Pynchon:
Dachau Blues,
Ella Guru,
Moonlight in Vermont,
Pachuco Cadaver,
My Human Get's Me Blues e
When Big Joan Sets Up; são igualmente credoras de menção especial as instrumentais
Hair Pie: Bake 1 e
2, onde a esmerilhação
free se desdobra em arrojado exercício de música contemporânea de vanguarda; a impagável
The Blimp (mousetrapreplica), com seu maníaco
impromptu verbal gravado via conversa telefônica; e por fim
Sugar 'N Spikes, que se não é especialmente marcante
per si, a meu juízo registra a mais inspirada
performance de Drumbo no álbum.
A produção, a cargo de Frank Zappa, é absolutamente revolucionária para a época, ao incorporar vários 'defeitos especiais' (quedas de áudio,
faux finales não-intencionais, erros de execução, etc.) de forma ousada e criativa, assim gerando toda uma ambiência de desorientação aleatória essencial para a atmosfera 'dadaísta' pretendida por Beefheart; para tanto também contribui, há que frisar, o facto de as faixas de
TMR serem provenientes de diversas fontes, desde gravações caseiras até registros profissionais em estúdio, e ainda o uso de numerosos fragmentos de conversas, risadas, monólogos e 'intervenções poéticas' de Beefheart e seus asseclas.
Por fim, por despretensiosa que seja, uma resenha de
TMR não poderia deixar de dizer uma ou duas palavras sobre o universo poético de Beefheart, que é absolutamente único: à moda de um Lewis Carroll
on acid, Vliet desencadeia vertiginosos
feux d’artifices verbais de jogos de palavras, assonâncias mirabolantes, alusões crípticas, estranhíssimos seres metafóricos,
private jokes, delírios surreais e observações hilariantes, conjurando assim toda uma galáxia de referências que seria impossível de deslindar sem uma exegese crítica das mais laboriosas.
Bottom line:
Trout Mask Replica é um
CLÁSSICO eterno do
avant rock, e um dos discos na história da música que realmente faz jus ao epíteto de 'fundamental'.