"I chose not to choose life", emblemática citação despejada pelo Ewan McGregor em Trainspotting, estampa algumas muitas camisetas e serve de modelo de adoração pra minha geração. Porque nós somos tão vanguardistas, nós pensamos tão diferente, nós somos a imagem clara da evolução. O desprezo pelo homem comum é totalmente justificado, correto? Quero dizer, nós somos tão mais românticos, tão mais iluminados. Por que? Pelo gosto bizarro por roupas apertadas? Pela falsa sensação de ausência de vaidade? Porque sabemos quem é Bukowski? Honestamente, todo mundo sabe quem é Bukowski. Nem todo mundo leu, mas quase nenhum de nós realmente leu. Então não tem vantagem aí. Nossa única diferença é que nós somos mais iguais que o resto. Nossas roupas, nosso gosto musical, nosso senso de humor, nosso bizarro senso de uma nostalgia sem a lembrança. E tudo é tão absoluto, não existem valores subjetivos. Mas ainda assim adoramos gritar o que passa pela nossa cabeça como se fosse uma mensagem direta de Deus. Claro que você pode usar uma camiseta do The XX sem fazer idéia do que é a banda. É legal. Mas como isso é melhor do que botar um sapato branco e tocar pandeiro? Não estamos pensando, estamos seguindo modelos. Seguindos clichês como se fosse novidade. Quão rápido esquecemos que Beatles e Rolling Stones tocam até nas rádios do Acre. Foda-se isso. É tudo tão pose, essa sensação de 'nós contra o mundo' é tão ridícula.
Eu posso me orgulhar de não pensar diferente. Eu não me importo com essas merdas. Na verdade, a camiseta do The XX me irritou, mas aí já é outra história. Não tem nada mais previsível que um trem desgovernado. Eu honestamente queria sentar numa roda de cadeira de praia na frente de um prédio, com o sol nascendo nas minhas roupas de ontem, e abrir uma cerveja e ficar falando merda da forma mais honesta possível. Eu queria ser daquelas pessoas que buzinam pra mulher gostosa. Mas eu não sou. Eu sou o filho da puta que teoriza sobre calças de couro, e que se irrita com gente usando camiseta de banda só pra pagar de cool. Eu queria ser mais cafajeste, mas acho que eu sou normal demais. Eu sou normal?
Esse texto é sobre o disco novo do Kanye West. E sobre hipsters, rockers fora de época, e essas bizarrices do 'underground' local. Porra, nós somos brasileiros, o próprio conceito de existir um 'underground' aqui é tão idiota. Mas voltando. Eu sei que o My Beautiful Dark Twisted Fantasy está com nota máxima na Pitchfork, site que é a meca dos indies e outros adoradores de pinto. Mas ainda assim, eu tenho certeza que eles aceitam siso como alguém aceitaria uma doença. É inevitável mas nunca aceitável. É a parte que preferimos ignorar. Pelo menos aqui aonde eu vivo, eu tenho mais certeza do que a Mônica Mattos tem hora de rola que ninguém se deu ao trabalho de ouvir o disco novo do Kanye West. Quero dizer, é hip hop. Hip hop é coisa de quem vai em boate, é a conclusão lógica do sertanejo. Só que não é bem assim. Mas isso eu nem precisava dizer, é tão óbvio. É tão óbvio mas ainda assim tão impraticável aparentemente.
O que me irrita é que a galera simplesmente não ouve a porra do disco. Critica sem conhecer. E se ouve, ouve com aquela sensação bizarra de condescendência, com "ouvido crítico", ouve só pra poder dizer que é ignorante com justificativa. Eu entendo que ninguém precisa gostar de hip hop, mas porra, não dar a chance é algo muito escroto. Bom é o que? Banda de indie rock viado que recicla as mesmas patifarias desde sempre? Rock garageiro que está tão longe da garagem que chega a ser bizarro chamar assim? Bom é esperar cegamente o disco novo dos STROKES? Porra, estamos em 2011. Eu adoro Strokes, mas qual a probabilidade do disco novo não ser uma repetição de uma fórmula que, embora seja maravilhosa, tem mais de 10 anos? Criatividade é a puta que pariu, aparentemente. Mas acho que é justo. Quando o cara não se permite a possibilidade de pensar diferente, e não digo diferente no sentido que eu to esculhambando sem esperança até agora, eu imagino que ele espere que sua música seja assim. Que as bandas pensem assim.
Justo. Mas justo não justifica. Não faz sentido. Pra mim, eu vejo beleza em muito mais. O My Beautiful Dark Twisted Fantasy só não é o melhor disco do ano porque o Titus Andronicus lançou algo monumental também. Mas é próximo. É melhor que o novo do Arcade Fire. É melhor do que o novo do Strokes vai ser, e eu aposto tudo nisso. É melhor do que a carreira inteira do Supergrass somada. É melhor que tudo que musicalmente já saiu do Rio Grande do Sul. Não preciso nem dizer que é melhor que Mars Volta, até barulho de peido é melhor que Mars Volta. Mas o Kanye West é negro. Não usa calça apertada. Não vive nos anos 60 ou 70. É hip hop? Sim, é hip hop. É também possivelmente o disco musicalmente mais estimulante do século até agora. Possivelmente. A criatividade de cada música é algo que merece ser apreciado, o talento que a produção dele grita devia ser ouvido por todo mundo. O instrumental do disco é inegável. A perfeição de cada instrumento chega a ser impressionante, e não no sentido que as guitarras anguladas do Strokes são impressionantes. Digo é impressionante que em 2010 o cara conseguiu fazer algo que não soa como nada que existiu antes. E que merece virar modelo pro que vai existir no futuro.
Voltando ao Trainspotting, essa citação inteira da abertura do filme pelo jeito virou algo como um estilo de vida. E isso é tão bosta. Minha geração é num geral sem graça, mas nós tentamos engrandecer. O guri da camiseta do The XX PODE fazer aquilo. Mas é uma pena que ele não vá ouvir Kanye West porque não é cool pra juventude vanguardista. Porra Marcelo, pare de se repetir. "I chose not to choose life"... Foda-se você e o que tu escolheu magrão.